A 21ª Vara Federal Cível em São Paulo julgou improcedente a ação de usucapião proposta pela locatária de um apartamento que havia sido arrematado em um leilão pela Emgea (Empresa Gestora de Ativos). Embora a decisão tenha reconhecido a possibilidade de existir usucapião sobre bens imóveis de empresas públicas que atuam na atividade econômica (como a Emgea), ela indeferiu o pedido da autora por ausência de boa-fé na posse do bem.
De acordo com o processo, o contrato de locação foi firmado em 2001 com os antigos proprietários do imóvel, os quais possuíam dívidas do financiamento imobiliário junto ao Sistema Financeiro Nacional (SFH). Em junho de 2007, a locatária foi notificada pela Emgea e pela Caixa Economia Federal, rés na ação, sobre a arrematação em favor da empresa devido à execução extrajudicial do financiamento.
A autora afirma que a partir dessa data deixou de pagar o aluguel e o condomínio, tendo notificado as rés a fim de exercer o direito de preferência na compra do imóvel. Alega que tanto a Emgea quanto a Caixa mantiveram-se inertes e que, passados mais de cinco anos do início da posse direta e contínua do bem, faz jus à aquisição da propriedade.
Em sua contestação, as rés alegaram a impossibilidade jurídica do pedido, pois sendo o imóvel propriedade de uma empresa pública federal, não poderia ser objeto da usucapião, nos termos do artigo 183, §2º, da Constituição Federal, segundo o qual imóveis públicos não podem ser usucapidos. Do mesmo teor o artigo 191, parágrafo único, da CF, bem como o artigo 102, do Código Civil Brasileiro.
Em sua decisão, o juiz federal Heraldo Garcia Vitta ressalta que a Constituição Federal faz uma distinção entre estatais que prestam serviços públicos e aquelas que atuam na atividade econômica. As primeiras estão submetidas ao regime de direito público, enquanto as segundas, basicamente, ao direito privado.
“Dessa forma, em princípio, as estatais da atividade econômica podem ter seus bens penhorados – e até excutidos pelos seus credores; inclusive, sujeitam-se, linhas gerais, aos ditames da Lei de Falências (Lei nº 11.101/2005). De outra parte, as prestadoras de serviços públicos não estão submetidas àqueles e nem a esta. Como os regimes jurídicos são distintos, as consequências [jurídicas] só podem ser diferentes”, afirma o juiz.
A sentença esclarece que uma das áreas em que a Emgea atua é na gestão da carteira de crédito imobiliário, cuja aquisição dos imóveis pelos particulares ocorre mediante recursos vinculados ao SFH. “Isso não transmuda o regime jurídico, pois essa verba não é pública; trata-se de dinheiro captado de aplicações financeiras e emprestado aos mutuários. Atividade, portanto, bancária, submetida ao regime do Direito Privado”.
A decisão aponta que, justamente pelo fato de atuar no âmbito da economia, na livre concorrência, os bens da Emgea podem sofrer penhora e outras consequências do regime de direito privado, como o usucapião. “Os bens da Emgea não são afetados ao serviço público; à atividade pública, mas à atividade empresarial, econômica, cujo regime é de direito privado (…). Portanto, entendo pertinente a usucapião sobre bens imóveis de empresas públicas que atuam na atividade econômica”, diz o juiz.
Já em relação aos requisitos para o usucapião propriamente dito, o magistrado considera ausência de boa-fé da autora. Ele cita o artigo 1201, do Código Civil, que prevê ser de boa-fé a posse se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa e; a intenção de possuir como dono manifesta-se pelos atos inerentes aos praticados pelo proprietário, desde o momento em que o possuidor se apossa do bem.
“No caso vertente, a autora não desconhecia os titulares do direito de propriedade, tampouco ignorava as circunstâncias que obstavam e impediam a aquisição de propriedade originária, já que firmou contrato de locação e, unilateralmente, rompeu o pacto, porque notificada da arrematação do imóvel pelo agente financeiro”, pondera Heraldo Vitta.
Assim, a sentença ressalta que “a autora entrou na posse do imóvel em razão de contrato de locação; e ali permaneceu, mesmo após tomar conhecimento da arrematação do bem, restando ausente o ‘animus domini’. Numa palavra; a posse da autora é precária, efêmera (…). Mesmo que o possuidor detiver título jurídico, se tiver ciência da ilegitimidade do seu direito de posse, em virtude de vício ou obstáculo impeditivo de sua aquisição, surgirá a má-fé”. (JSM)